Comunicado - Um processo duvidoso, um futuro comprometido
Depois de cinco anos de gestão da sua exclusiva responsabilidade e em que a principal preocupação do executivo municipal e do seu presidente foi a de, lentamente, destruir o projecto do Rivoli Teatro Municipal e da Culturporto, a maioria na Câmara Municipal do Porto prepara-se para dar a machadada final num projecto que foi e é reconhecidamente um projecto válido e importante para o desenvolvimento e fortalecimento duma Cidade que se quer moderna e desenvolvida.
Com a entrega da exploração do seu Teatro Municipal – reconstruído com fundos comunitários e com base num projecto que previa a sua exploração em prol da cidade, dos seus artistas e do seu desenvolvimento – a um empresário privado com um projecto nitidamente comercial, o executivo municipal prepara-se uma vez mais, para negar o seu papel, remetendo-se a um desempenho medíocre apenas pautado por uma lógica contabilista e de virar costas a tudo o que seja investimento cultural estruturante.
E fá-lo num processo onde, mais do que cegueira política e incapacidade de perceber questões essenciais, se revela duma incapacidade técnica confrangedora. Basta ler o anexo que enumeramos, os passos dados até chegarmos ao dia de hoje, para percebermos que se tratou de um caminho feito de contradições, adiamentos e hesitações, que mancham desde logo uma decisão que deveria ser transparente e baseada em pressupostos sólidos.
Um equipamento da importância do Rivoli, uma decisão política grave, a de conceder a sua exploração a privados, exigia que a Câmara Municipal do Porto tivesse agido de forma criteriosa que não desse azo a que todas as dúvidas se tornem, à luz deste processo, absolutamente legitimas.
Ganham força os que desde o início afirmaram, que o concessionário estava escolhido e que Rui Rio não iria mais do que seguir a sua política de atribuição de apoios ao encenador e produtor de Lisboa, Filipe La Féria.
Para contrariar esta ideia era necessário que o executivo autárquico mostrasse claramente que o projecto de La Féria era o que, entre os diversos concorrentes, melhores condições garantia de que a decisão errada de entrega do Rivoli a privados, não punha em causa de forma inequívoca, como o parece fazer, as obrigações de serviço público para o qual este teatro foi criado. Infelizmente, em vez de um anúncio claro dos resultados da consulta pública, a Câmara do Porto, preferiu os termos vagos, a exaltação contabilística e as considerações laudatórias sobre a “qualidade” das produções de La Féria.
O que continua a não se entender é como é que a proposta aprovada defende a diversidade e a qualidade que seria desejável encontrar num equipamento público. A cidade entrega o Rivoli para albergar anualmente três ou quatro produções de carácter comercial (que facilmente têm encontrado outros espaços para ser exibidas) e recebe o quê em troca?
Onde está o espaço para as produções teatrais dos grupos da cidade? Vale a pena abdicar sem hesitações da melhor sala da península ibérica para receber espectáculos de dança? Que espaço restará para o teatro de marionetas, para o novo circo? A música e não só os musicais, também terão lugar neste Rivoli privado? E quais são as garantias dadas de que as colectividades da cidade continuarão a ter no teatro municipal o seu espaço natural? E de que forma é que esta gestão se articula com os eventos que tinham no Rivoli a sua “casa”, como o FITEI ou o Festival de Marionetas? E a sua propagandeada sustentabilidade financeira, como será depois de 2007?
É a resposta para estas e para muitas outras questões que o movimento Pelo Porto- Juntos no Rivoli, não se cansará de tentar encontrar. É a vigilância atenta de um processo cheio de contornos obscuros que não iremos deixar de fazer.
Por este motivo, o Juntos no Rivoli, vem apelar à Câmara Municipal do Porto para que torne claros os critérios de selecção que levaram à sua escolha e apela ainda ao concessionário que torne público o seu projecto para um equipamento essencial da cidade.
Tencionamos ainda realizar reuniões com as candidaturas rejeitadas, com as forças políticas da Oposição e com outros elementos da sociedade civil, de forma a programar futuras acções de contestação, a uma política que diminui as perspectivas de futuro da cidade do Porto.
Porto, 21 de Dezembro de 2006
Pelo Porto – Juntos no Rivoli
CRONOLOGIA DE ACONTECIMENTOS
Em 27 de Fevereiro de 2006, Fernando Almeida, vereador da Cultura e Turismo afirmava (em entrevista ao jornal “O Primeiro de Janeiro”): «Durante 2005 passaram pelo teatro (Rivoli) 170.000 espectadores. É um número notável pela sua dimensão e que reflecte a existência de uma programação de qualidade. Tem-se vindo a desenvolver uma programação diversificada. Considero que este é um equipamento onde, de facto, a cultura é divulgada estando simultaneamente a cumprir uma tarefa extremamente importante: a promoção da Baixa».
Dois dias antes, em 25 de Fevereiro e baseado em declarações do presidente da Câmara Municipal do Porto “O Público” (local pág. 55) noticiava: “Empresa Metropolitana vai gerir espaços culturais” e no texto da noticia especificava-se que a Grande Área Municipal do Porto (G.A.M.P.), sem prazos ainda definidos e a partir de uma proposta do conselho de vereadores da Cultura, aceite pelos presidentes, iria prosseguir no sentido de «conseguir algumas economias de escala na gestão das estruturas e na promoção das respectivas produções».
A 9 de Março titulava o “Jornal de Notícias”: «Silêncio sobre o Orçamento da Culturporto preocupa PS”. E especificava-se no texto: «Estamos a 8 de Março e ainda não houve qualquer divulgação sobre a programação da Culturporto para o Rivoli» assinalava Manuel Pizarro (vereador do PS).
Em 22 de Março o “Jornal de Notícias” dava conta do resultado da reunião do executivo da C.M.P. onde se aprovava um novo «emagrecimento do orçamento da Culturporto» e onde outro vereador do PS assinalava a falta de apoio mecenático, onde se registava um decréscimo de 94% e afirmava «quem não acredita no que faz, não pode convencer os privados a financiá-los».
Com todo este desinvestimento no seu teatro municipal não admira que, no Dia Mundial do Teatro, um anónimo bem humorado tenha publicado no JN (página de classificados) um falso anuncio que, em tom obviamente jocoso, propunha a venda de um teatro na baixa portuense indicando os contactos da Câmara Municipal do Porto para os eventuais interessados.
A 15 de Abril e também no JN, a propósito da transformação do SMAS em empresa municipal, ventilava-se a reestruturação da Culturporto e novamente a hipotética criação de uma empresa intermunicipal para gerir a Cultura.
Em 10 de Maio anunciava-se a “Porto-Lazer” e dizia-se que esta «vai roubar a animação à Culturporto» (título de “O Público” local pag 50). Na mesma noticia o Presidente da Câmara assumia a morte da Culturporto referindo o objectivo que as associadas da autarquia fossem empresas municipais ou fundações.
A 25 de Maio anunciava-se uma auditoria à Culturporto para estudar os procedimentos relativos a todos os patrocínios recebidos desde 2002. Cujos resultados não são conhecidos.
No meio de toda esta actividade em torno da reestruturação municipal não chega no entanto a definir-se um rumo para a Cultura. A hipótese de uma empresa intermunicipal não é mais referida e o estudo encomendado ao reputado economista Daniel Bessa, se abordava uma solução para a Cultura, ninguém chega a saber.
Com efeito a 20 de Julho os jornais anunciavam a nova “solução” para o teatro municipal: deixar de ser municipal e passar a ser gerido por «uma companhia de teatro nacional» escolhida através de uma consulta a lançar pelo município.
A contestação à medida foi imediata e protagonizada por diversos sectores e sensibilidades e a petição on line imediatamente lançada “Pelo Porto – Juntos no Rivoli” congregou nos dois meses seguintes mais de 10.000 adesões.
Mas nada demoveu a Câmara e as contradições e a ignorância continuaram: no dia 21 de Julho, 24 horas depois do anúncio da consulta o Fantasporto reagia à possibilidade da não realização do festival no teatro municipal e a câmara prontamente recuava garantindo à Cinema Novo a manutenção (em 2007) do Rivoli como sede do mais famoso festival de cinema do país e adiava implicitamente o seu próprio prazo de início de exploração para o fim do Festival.
A 22 de Julho vários produtores pronunciam-se sobre a possibilidade de estarem interessados na participação no dito “concurso” (O JN titula “Teatro Rivoli divide produtoras”). Apesar de desconhecerem as condições impostas diversos manifestam dúvidas sobre a exequibilidade da exploração privada.
A 25 de Julho a respectiva proposta era aprovada em reunião do executivo camarário (com 6 votos contra). Aí se definiam umas “Linhas de Orientação do Modelo de Funcionamento do Teatro Rivoli”; se propunha que fosse desencadeado um processo de consulta a “companhias” (ou estruturas análogas) de reconhecida capacidade no sector das artes performativas e do espectáculo, e se terminava a estabelecer um prazo máximo de 90 dias para a apresentação para deliberação do executivo de uma proposta de selecção da entidade que melhores condições e mais credibilidade oferecesse.
Nas ditas linhas de orientação estabeleciam-se pressupostos para os objectivos a cumprir pela tal “companhia” nomeadamente: «em cada período anual de programação, deveria obrigar-se a manter uma oferta de espectáculos ao público, por si directamente produzidos, (num período) nunca inferior a 300 dias, realizando no Grande Auditório pelo menos dois espectáculos de grande produção e dois espectáculos de cariz infanto-juvenil, (...) no Pequeno auditório pelo menos quatro produções de cariz experimental»
A 28 de Julho os jornais anunciavam diversas entidades interessadas em concorrer (Portoeventos; Cinema Novo; Plateia; Mandrake e UAU Produção de Eventos). “O Público” «voltou a contactar o encenador Filipe La Féria sobre o eventual interesse em entrar na corrida do Rivoli mas quaisquer declarações sobre o assunto foram remetidas para uma conferência de imprensa na próxima segunda-feira....»
A 1 de Agosto (segunda-feira) em conferência de imprensa, La Féria profere a única frase directa que se lhe conhece durante o período de apresentação de candidaturas; “«Só soube que era candidato pela Imprensa».
A 11 de Setembro confirma-se a candidatura da Plateia e noticia-se a associação do Fantasporto com a Miltemas (Jornal de Noticias).
A 13 de Setembro uma outra produtora nacional, a Mandrake, pronunciava-se «é bizarro e difícil que um privado tenha uma programação quase diária... toda esta questão é enigmática» e questionava – segundo o jornalista – se a autarquia tem a noção do convite arrojado que está a fazer aos privados, admitindo que face aos condicionalismos, que haja um único privado que consiga satisfazer as exigências (O Primeiro de Janeiro).
A 29 de Setembro anuncia-se que a C.M.P. tinha enviado a proposta a 31 entidades, mas – escrevia “O Primeiro de Janeiro” – «Parece ser certo de que muito poucas a vão aceitar». E a responsável da empresa de Filipe la Féria dizia que os requisitos apresentados pela Câmara Municipal do Porto «são demasiado exigentes e rigorosos»
A 30 de Setembro uma das maiores e das mais importantes produtoras de espectáculos do país, a UAU anunciava que não “concorreria” ao Rivoli. «Cremos que é impossível realizar 300 apresentações num período anual. Este número não é adequado à realidade cultural que temos...»
No início de Outubro estabilizaram finalmente as candidaturas, após uma imensa dança de declarações e campanhas. A empresa Bastidores de Filipe La Féria constava do rol final (apesar de ter sido a mais parca em declarações) a par da Miltemas; Plateia; Portoeventos e – surpresa final – o INATEL Instituto para o Aproveitamento dos Tempos Livres, uma instituição do Estado sob a tutela do Ministério do Trabalho.
Plateia e Miltemas defendiam a possibilidade das respectivas candidaturas poderem assegurar serviço público e a Porteventos afirmava que o abandono da câmara será um desastre para o Rivoli.
A 4 de Outubro o Jornal de Noticias noticia também a constituição da Comissão de Acompanhamento municipal: Manuela Gomes (dos serviços jurídicos); Teresa Santarém (Finanças); Margarida Fernandes (Culturporto) e, a presidir Raul Matos Fernandes (Director Municipal de Cultura)
A 15 de Outubro com a ocupação simbólica do Teatro Rivoli e a forma atabalhoada, autoritária e, uma vez, mais incompetente, com que a direcção da Culturporto e a C.M.P. trataram a questão, foi o mês em que o assunto se tornou caso nacional e o debate se alargou perante um executivo mudo e quieto.
Chegados ao fim do mês de Outubro, e ao fim dos 90 dias de prazo a que a si própria impôs a Câmara Municipal do Porto anuncia... que não anuncia nada: A importância e a delicadeza da matéria aconselham, prudentemente, que a decisão final seja adiada por mais algum tempo, nomeadamente por se aguardar ainda um parecer técnico que a Câmara decidiu solicitar a uma entidade externa, para melhor consolidar a sua escolha no que respeita à vertente da viabilidade económica das propostas em apreço.” A entidade externa, sabe-se depois era a Universidade do Porto (Fundação Gomes Teixeira), segundo o Público a 13 de Dezembro.
A 24 de Novembro, o Primeiro de Janeiro dava conta das afirmações do presidente da Câmara Municipal do Porto: “ainda não há uma decisão”, admitindo um atraso de já quase 30 dias, “É preferível resvalar 30 dias e tentar explorar todas as hipóteses do que ser muito rigoroso a querer cumprir o prazo e perder uma solução melhor”, o Presidente admite mesmo a tentativa de fundir candidaturas.
Não foram 30 dias, fora 45, a 13 de Dezembro surgem novas notícias sobre o conturbado processo. O Público notícia em primeira-mão a possibilidade da gestão do teatro municipal ser entregue “à Bastidores – Produções Artísticas Ldª (empresa de La Féria, que partilha a sede com o Teatro Politiema, em Lisboa)”. A proposta de decisão esteve a cargo da Comissão municipal que não é contudo a mesma Comissão anunciada para acompanhamento do processo de consulta. Trata-se agora de uma comissão com um cunho marcadamente político, composta pelo vice-presidente da autarquia, Alvaro Castello-Branco, pelo director municipal da cultura, Raul Matos Fernandes, e por Manuel Teixeira, chefe de gabinete de Rui Rio.
De acordo com o Público, a Universidade do Porto não chegou a emitir qualquer parecer técnico, alegadamente por nenhum dos proponentes apresentar dados suficientemente sólidos para uma apreciação tecnicamente rigorosa.
No dia seguinte, a 14 de Dezembro, a reacção municipal surge pela voz de Florbela Guedes, assessora de imprensa do Presidente da Câmara, declara ao Público: “Não temos nada a dizer sobre o assunto.” e ao Diário de Notícias admite que a decisão final só deverá ser conhecida em Janeiro de 2007.
Surpreendentemente ou não, talvez por acharem que a época festiva que se atravessa é mais susceptível de deixar os munícipes alheados das questões fundamentais, dois dias depois, no passado sábado 16 de Dezembro pelas 18h00 a Câmara emite um comunicado que confirma integralmente a notícia avançada pelo “Público”. Filipe la Feria é a entidade (!!!???) que gerirá o Rivoli.
E anunciava o que antes não admitira: seria ainda em Dezembro que a decisão seria levada a reunião de Câmara, extraordinária e convocada especialmente para o efeito.
Com os atrasos, os 4 anos durarão agora até 2007, os 4 meses que decorrerem até ao início da actividade do empresário serão objecto de programação, a Culturporto será extinta e uma comissão de gestão nomeada.
O “Jornal de Notícias” a 17 de Dezembro dava também conta de um almoço entre La Féria e o chefe de gabinete do edil portuense e onde o motivo da conversa seria a privatização do teatro.
A 18 de Dezembro no “Público” La Féria afirmava estar certo que a sua proposta «é a que mais serve os interesses da autarquia e do grande público portuense». E ontem, 20 de Dezembro afirmava desconhecer reacções negativas ao seu projecto para esta cidade e anunciava em entrevista ao “Público” «vou fazer espectáculos com actores e artistas do Porto» mas acrescentava mais à frente não estar a pensar trabalhar com a equipa da Culturporto «não temos nada a ver com o que se passou antes» esclarecia.
Com o que terá a ver será certamente com o que revelava (também ontem) o “Correio da Manhã”: a empresa Bastidores tem dívidas ao Fisco e estará impossibilitada de celebrar contratos com o estado. La Feria explica ser apenas contratado dessa empresa e diz que vai constituir uma empresa para o acordo com a autarquia.
Mas a Câmara Municipal do Porto não está preocupada: «Para nós o que conta é a credibilidade da pessoa”
Ou seja como são todos grandes portadores de falta de credibilidade tudo está bem quando acaba bem.
Porto, 21 de Dezembro de 2006
Com a entrega da exploração do seu Teatro Municipal – reconstruído com fundos comunitários e com base num projecto que previa a sua exploração em prol da cidade, dos seus artistas e do seu desenvolvimento – a um empresário privado com um projecto nitidamente comercial, o executivo municipal prepara-se uma vez mais, para negar o seu papel, remetendo-se a um desempenho medíocre apenas pautado por uma lógica contabilista e de virar costas a tudo o que seja investimento cultural estruturante.
E fá-lo num processo onde, mais do que cegueira política e incapacidade de perceber questões essenciais, se revela duma incapacidade técnica confrangedora. Basta ler o anexo que enumeramos, os passos dados até chegarmos ao dia de hoje, para percebermos que se tratou de um caminho feito de contradições, adiamentos e hesitações, que mancham desde logo uma decisão que deveria ser transparente e baseada em pressupostos sólidos.
Um equipamento da importância do Rivoli, uma decisão política grave, a de conceder a sua exploração a privados, exigia que a Câmara Municipal do Porto tivesse agido de forma criteriosa que não desse azo a que todas as dúvidas se tornem, à luz deste processo, absolutamente legitimas.
Ganham força os que desde o início afirmaram, que o concessionário estava escolhido e que Rui Rio não iria mais do que seguir a sua política de atribuição de apoios ao encenador e produtor de Lisboa, Filipe La Féria.
Para contrariar esta ideia era necessário que o executivo autárquico mostrasse claramente que o projecto de La Féria era o que, entre os diversos concorrentes, melhores condições garantia de que a decisão errada de entrega do Rivoli a privados, não punha em causa de forma inequívoca, como o parece fazer, as obrigações de serviço público para o qual este teatro foi criado. Infelizmente, em vez de um anúncio claro dos resultados da consulta pública, a Câmara do Porto, preferiu os termos vagos, a exaltação contabilística e as considerações laudatórias sobre a “qualidade” das produções de La Féria.
O que continua a não se entender é como é que a proposta aprovada defende a diversidade e a qualidade que seria desejável encontrar num equipamento público. A cidade entrega o Rivoli para albergar anualmente três ou quatro produções de carácter comercial (que facilmente têm encontrado outros espaços para ser exibidas) e recebe o quê em troca?
Onde está o espaço para as produções teatrais dos grupos da cidade? Vale a pena abdicar sem hesitações da melhor sala da península ibérica para receber espectáculos de dança? Que espaço restará para o teatro de marionetas, para o novo circo? A música e não só os musicais, também terão lugar neste Rivoli privado? E quais são as garantias dadas de que as colectividades da cidade continuarão a ter no teatro municipal o seu espaço natural? E de que forma é que esta gestão se articula com os eventos que tinham no Rivoli a sua “casa”, como o FITEI ou o Festival de Marionetas? E a sua propagandeada sustentabilidade financeira, como será depois de 2007?
É a resposta para estas e para muitas outras questões que o movimento Pelo Porto- Juntos no Rivoli, não se cansará de tentar encontrar. É a vigilância atenta de um processo cheio de contornos obscuros que não iremos deixar de fazer.
Por este motivo, o Juntos no Rivoli, vem apelar à Câmara Municipal do Porto para que torne claros os critérios de selecção que levaram à sua escolha e apela ainda ao concessionário que torne público o seu projecto para um equipamento essencial da cidade.
Tencionamos ainda realizar reuniões com as candidaturas rejeitadas, com as forças políticas da Oposição e com outros elementos da sociedade civil, de forma a programar futuras acções de contestação, a uma política que diminui as perspectivas de futuro da cidade do Porto.
Porto, 21 de Dezembro de 2006
Pelo Porto – Juntos no Rivoli
CRONOLOGIA DE ACONTECIMENTOS
Em 27 de Fevereiro de 2006, Fernando Almeida, vereador da Cultura e Turismo afirmava (em entrevista ao jornal “O Primeiro de Janeiro”): «Durante 2005 passaram pelo teatro (Rivoli) 170.000 espectadores. É um número notável pela sua dimensão e que reflecte a existência de uma programação de qualidade. Tem-se vindo a desenvolver uma programação diversificada. Considero que este é um equipamento onde, de facto, a cultura é divulgada estando simultaneamente a cumprir uma tarefa extremamente importante: a promoção da Baixa».
Dois dias antes, em 25 de Fevereiro e baseado em declarações do presidente da Câmara Municipal do Porto “O Público” (local pág. 55) noticiava: “Empresa Metropolitana vai gerir espaços culturais” e no texto da noticia especificava-se que a Grande Área Municipal do Porto (G.A.M.P.), sem prazos ainda definidos e a partir de uma proposta do conselho de vereadores da Cultura, aceite pelos presidentes, iria prosseguir no sentido de «conseguir algumas economias de escala na gestão das estruturas e na promoção das respectivas produções».
A 9 de Março titulava o “Jornal de Notícias”: «Silêncio sobre o Orçamento da Culturporto preocupa PS”. E especificava-se no texto: «Estamos a 8 de Março e ainda não houve qualquer divulgação sobre a programação da Culturporto para o Rivoli» assinalava Manuel Pizarro (vereador do PS).
Em 22 de Março o “Jornal de Notícias” dava conta do resultado da reunião do executivo da C.M.P. onde se aprovava um novo «emagrecimento do orçamento da Culturporto» e onde outro vereador do PS assinalava a falta de apoio mecenático, onde se registava um decréscimo de 94% e afirmava «quem não acredita no que faz, não pode convencer os privados a financiá-los».
Com todo este desinvestimento no seu teatro municipal não admira que, no Dia Mundial do Teatro, um anónimo bem humorado tenha publicado no JN (página de classificados) um falso anuncio que, em tom obviamente jocoso, propunha a venda de um teatro na baixa portuense indicando os contactos da Câmara Municipal do Porto para os eventuais interessados.
A 15 de Abril e também no JN, a propósito da transformação do SMAS em empresa municipal, ventilava-se a reestruturação da Culturporto e novamente a hipotética criação de uma empresa intermunicipal para gerir a Cultura.
Em 10 de Maio anunciava-se a “Porto-Lazer” e dizia-se que esta «vai roubar a animação à Culturporto» (título de “O Público” local pag 50). Na mesma noticia o Presidente da Câmara assumia a morte da Culturporto referindo o objectivo que as associadas da autarquia fossem empresas municipais ou fundações.
A 25 de Maio anunciava-se uma auditoria à Culturporto para estudar os procedimentos relativos a todos os patrocínios recebidos desde 2002. Cujos resultados não são conhecidos.
No meio de toda esta actividade em torno da reestruturação municipal não chega no entanto a definir-se um rumo para a Cultura. A hipótese de uma empresa intermunicipal não é mais referida e o estudo encomendado ao reputado economista Daniel Bessa, se abordava uma solução para a Cultura, ninguém chega a saber.
Com efeito a 20 de Julho os jornais anunciavam a nova “solução” para o teatro municipal: deixar de ser municipal e passar a ser gerido por «uma companhia de teatro nacional» escolhida através de uma consulta a lançar pelo município.
A contestação à medida foi imediata e protagonizada por diversos sectores e sensibilidades e a petição on line imediatamente lançada “Pelo Porto – Juntos no Rivoli” congregou nos dois meses seguintes mais de 10.000 adesões.
Mas nada demoveu a Câmara e as contradições e a ignorância continuaram: no dia 21 de Julho, 24 horas depois do anúncio da consulta o Fantasporto reagia à possibilidade da não realização do festival no teatro municipal e a câmara prontamente recuava garantindo à Cinema Novo a manutenção (em 2007) do Rivoli como sede do mais famoso festival de cinema do país e adiava implicitamente o seu próprio prazo de início de exploração para o fim do Festival.
A 22 de Julho vários produtores pronunciam-se sobre a possibilidade de estarem interessados na participação no dito “concurso” (O JN titula “Teatro Rivoli divide produtoras”). Apesar de desconhecerem as condições impostas diversos manifestam dúvidas sobre a exequibilidade da exploração privada.
A 25 de Julho a respectiva proposta era aprovada em reunião do executivo camarário (com 6 votos contra). Aí se definiam umas “Linhas de Orientação do Modelo de Funcionamento do Teatro Rivoli”; se propunha que fosse desencadeado um processo de consulta a “companhias” (ou estruturas análogas) de reconhecida capacidade no sector das artes performativas e do espectáculo, e se terminava a estabelecer um prazo máximo de 90 dias para a apresentação para deliberação do executivo de uma proposta de selecção da entidade que melhores condições e mais credibilidade oferecesse.
Nas ditas linhas de orientação estabeleciam-se pressupostos para os objectivos a cumprir pela tal “companhia” nomeadamente: «em cada período anual de programação, deveria obrigar-se a manter uma oferta de espectáculos ao público, por si directamente produzidos, (num período) nunca inferior a 300 dias, realizando no Grande Auditório pelo menos dois espectáculos de grande produção e dois espectáculos de cariz infanto-juvenil, (...) no Pequeno auditório pelo menos quatro produções de cariz experimental»
A 28 de Julho os jornais anunciavam diversas entidades interessadas em concorrer (Portoeventos; Cinema Novo; Plateia; Mandrake e UAU Produção de Eventos). “O Público” «voltou a contactar o encenador Filipe La Féria sobre o eventual interesse em entrar na corrida do Rivoli mas quaisquer declarações sobre o assunto foram remetidas para uma conferência de imprensa na próxima segunda-feira....»
A 1 de Agosto (segunda-feira) em conferência de imprensa, La Féria profere a única frase directa que se lhe conhece durante o período de apresentação de candidaturas; “«Só soube que era candidato pela Imprensa».
A 11 de Setembro confirma-se a candidatura da Plateia e noticia-se a associação do Fantasporto com a Miltemas (Jornal de Noticias).
A 13 de Setembro uma outra produtora nacional, a Mandrake, pronunciava-se «é bizarro e difícil que um privado tenha uma programação quase diária... toda esta questão é enigmática» e questionava – segundo o jornalista – se a autarquia tem a noção do convite arrojado que está a fazer aos privados, admitindo que face aos condicionalismos, que haja um único privado que consiga satisfazer as exigências (O Primeiro de Janeiro).
A 29 de Setembro anuncia-se que a C.M.P. tinha enviado a proposta a 31 entidades, mas – escrevia “O Primeiro de Janeiro” – «Parece ser certo de que muito poucas a vão aceitar». E a responsável da empresa de Filipe la Féria dizia que os requisitos apresentados pela Câmara Municipal do Porto «são demasiado exigentes e rigorosos»
A 30 de Setembro uma das maiores e das mais importantes produtoras de espectáculos do país, a UAU anunciava que não “concorreria” ao Rivoli. «Cremos que é impossível realizar 300 apresentações num período anual. Este número não é adequado à realidade cultural que temos...»
No início de Outubro estabilizaram finalmente as candidaturas, após uma imensa dança de declarações e campanhas. A empresa Bastidores de Filipe La Féria constava do rol final (apesar de ter sido a mais parca em declarações) a par da Miltemas; Plateia; Portoeventos e – surpresa final – o INATEL Instituto para o Aproveitamento dos Tempos Livres, uma instituição do Estado sob a tutela do Ministério do Trabalho.
Plateia e Miltemas defendiam a possibilidade das respectivas candidaturas poderem assegurar serviço público e a Porteventos afirmava que o abandono da câmara será um desastre para o Rivoli.
A 4 de Outubro o Jornal de Noticias noticia também a constituição da Comissão de Acompanhamento municipal: Manuela Gomes (dos serviços jurídicos); Teresa Santarém (Finanças); Margarida Fernandes (Culturporto) e, a presidir Raul Matos Fernandes (Director Municipal de Cultura)
A 15 de Outubro com a ocupação simbólica do Teatro Rivoli e a forma atabalhoada, autoritária e, uma vez, mais incompetente, com que a direcção da Culturporto e a C.M.P. trataram a questão, foi o mês em que o assunto se tornou caso nacional e o debate se alargou perante um executivo mudo e quieto.
Chegados ao fim do mês de Outubro, e ao fim dos 90 dias de prazo a que a si própria impôs a Câmara Municipal do Porto anuncia... que não anuncia nada: A importância e a delicadeza da matéria aconselham, prudentemente, que a decisão final seja adiada por mais algum tempo, nomeadamente por se aguardar ainda um parecer técnico que a Câmara decidiu solicitar a uma entidade externa, para melhor consolidar a sua escolha no que respeita à vertente da viabilidade económica das propostas em apreço.” A entidade externa, sabe-se depois era a Universidade do Porto (Fundação Gomes Teixeira), segundo o Público a 13 de Dezembro.
A 24 de Novembro, o Primeiro de Janeiro dava conta das afirmações do presidente da Câmara Municipal do Porto: “ainda não há uma decisão”, admitindo um atraso de já quase 30 dias, “É preferível resvalar 30 dias e tentar explorar todas as hipóteses do que ser muito rigoroso a querer cumprir o prazo e perder uma solução melhor”, o Presidente admite mesmo a tentativa de fundir candidaturas.
Não foram 30 dias, fora 45, a 13 de Dezembro surgem novas notícias sobre o conturbado processo. O Público notícia em primeira-mão a possibilidade da gestão do teatro municipal ser entregue “à Bastidores – Produções Artísticas Ldª (empresa de La Féria, que partilha a sede com o Teatro Politiema, em Lisboa)”. A proposta de decisão esteve a cargo da Comissão municipal que não é contudo a mesma Comissão anunciada para acompanhamento do processo de consulta. Trata-se agora de uma comissão com um cunho marcadamente político, composta pelo vice-presidente da autarquia, Alvaro Castello-Branco, pelo director municipal da cultura, Raul Matos Fernandes, e por Manuel Teixeira, chefe de gabinete de Rui Rio.
De acordo com o Público, a Universidade do Porto não chegou a emitir qualquer parecer técnico, alegadamente por nenhum dos proponentes apresentar dados suficientemente sólidos para uma apreciação tecnicamente rigorosa.
No dia seguinte, a 14 de Dezembro, a reacção municipal surge pela voz de Florbela Guedes, assessora de imprensa do Presidente da Câmara, declara ao Público: “Não temos nada a dizer sobre o assunto.” e ao Diário de Notícias admite que a decisão final só deverá ser conhecida em Janeiro de 2007.
Surpreendentemente ou não, talvez por acharem que a época festiva que se atravessa é mais susceptível de deixar os munícipes alheados das questões fundamentais, dois dias depois, no passado sábado 16 de Dezembro pelas 18h00 a Câmara emite um comunicado que confirma integralmente a notícia avançada pelo “Público”. Filipe la Feria é a entidade (!!!???) que gerirá o Rivoli.
E anunciava o que antes não admitira: seria ainda em Dezembro que a decisão seria levada a reunião de Câmara, extraordinária e convocada especialmente para o efeito.
Com os atrasos, os 4 anos durarão agora até 2007, os 4 meses que decorrerem até ao início da actividade do empresário serão objecto de programação, a Culturporto será extinta e uma comissão de gestão nomeada.
O “Jornal de Notícias” a 17 de Dezembro dava também conta de um almoço entre La Féria e o chefe de gabinete do edil portuense e onde o motivo da conversa seria a privatização do teatro.
A 18 de Dezembro no “Público” La Féria afirmava estar certo que a sua proposta «é a que mais serve os interesses da autarquia e do grande público portuense». E ontem, 20 de Dezembro afirmava desconhecer reacções negativas ao seu projecto para esta cidade e anunciava em entrevista ao “Público” «vou fazer espectáculos com actores e artistas do Porto» mas acrescentava mais à frente não estar a pensar trabalhar com a equipa da Culturporto «não temos nada a ver com o que se passou antes» esclarecia.
Com o que terá a ver será certamente com o que revelava (também ontem) o “Correio da Manhã”: a empresa Bastidores tem dívidas ao Fisco e estará impossibilitada de celebrar contratos com o estado. La Feria explica ser apenas contratado dessa empresa e diz que vai constituir uma empresa para o acordo com a autarquia.
Mas a Câmara Municipal do Porto não está preocupada: «Para nós o que conta é a credibilidade da pessoa”
Ou seja como são todos grandes portadores de falta de credibilidade tudo está bem quando acaba bem.
Porto, 21 de Dezembro de 2006
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